sábado, 12 de março de 2011

Hip-Hop rima com revolução?







Em tempos de eventos tão espetaculares como as recentes manifestações populares que, até agora, geraram a queda dos governos do Egito e da Tunísia, acho que a palavra revolução fica mais viva na cabeça de todos. O alto número de comentários – por sinal, uma boa parte com alta consistência – ao meu diálogo com Gas-PA que o CHH publicou em janeiro me trouxe muitas reflexões, e sobre elas vou ter muito a pensar e escrever por um bom tempo. A primeira coisa que me chamou a atenção é que, dos dois termos que pedi ao Gas-PA para comentar, socialismo e revolução, o primeiro foi citado só duas vezes nos 52 comentários registrados. O segundo, mais de 20.

O que isso indica? Os próprios leitores poderão responder, mas, uma idéia que me surge inicialmente é que, entre outras coisas, as pessoas que se interessam pelo potencial político do hip-hop pensam muito na sua relação com as mudanças na sociedade. Em geral, também, as pessoas parecem ter algum consenso sobre socialismo – senão, certamente, haveria mais discussão sobre o termo entre os comentaristas. Apesar de ninguém ter entrado em detalhes, acho que, mais ou menos, todos concordam que o termo significaria mais igualdade social e menos competição e comércio, exploração do homem pelo homem etc. Eu, por minha parte, diria que não é bem assim, que dá, sim, pra discutir socialismo, mas, enfim, isso fica pra um artigo futuro.

De que forma as mudanças se podem dar? Bem, isso, definitivamente, não parece ser um consenso. É aí que entram as divergências sobre a idéia de “revolução”. É interessante que vários comentários questionam a relação entre revolução e violência. Porém, alguns chegam a falar em revolução das idéias. No rap, não são poucas as referências a essa dualidade entre armas/mudança rápida x idéias/mudança lenta. De imediato me vem à mente aquela capa do GOG: Vamos apagá-los... Com nosso raciocínio, em que, de um lado, está o rappers com um revólver e, do outro, com um livro.

A questão é: a definição mais comum de revolução diz respeito a uma mudança social rápida: muita coisa muda, em pouco tempo. Assim, uma “revolução mental” que leve décadas pra se concretizar seria, mesmo, uma revolução? A própria definição clássica do termo é posta em xeque, ele passa a ser usado no sentido figurado. Pra quem viu as multidões na rua nos últimos dias, na Tunísia e no Egito, fica o padrão de comparação.

Mas, será que é possível promover uma mudança nas idéias de um grande número de pessoas em pouco tempo? Em alguma medida (que é justamente o ponto a discutir), a gente poderia dizer que o hip-hop ajudou, sim, numa “revolução mental” que aconteceu entre os anos 80 e 90, sobretudo – acho que grande parte dos que leem o CHH hão de concordar com isso. Hoje, contudo, eu não sobrestimaria tanto assim o movimento, porque vale lembrar que, ao mesmo tempo em que acontecia o hip-hop político há 30 anos, também havia o fenômeno dos blocos negros em Salvador, um samba carioca e paulista mais politizado etc.

O problema surge com o fato de que uma revolução pretende derrubar uma ordem instituída, e a tendência óbvia é que a elite que está no poder resista. Assim, como é que não haveria violência? Eu poderia dizer que, teorizações à parte, em alguns contextos, é possível sim que isso ocorra – em maior ou menor grau.

A literatura socialista, por sua vez, consagrou frase como esta de Mao Tse-Tung: “A revolução não é o convite para um jantar, a composição de uma obra literária, a pintura de um quadro ou a confecção de um bordado, ela não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa. A revolução é um insurreição, é um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra”.

Não que não haja exemplos de revoluções pacíficas: a que se passou na Índia, por exemplo, durante a independência do país – o que complica um pouco a nossa reflexão. Não que determinados contextos históricos não propiciem que a violência resultante de uma revolução, mesmo armada, possa ser amainada – veja o que se deu com os zapatistas em Chiapas, México, desde os anos 90, em função da pressão da sociedade civil internacional e com a participação, por
exemplo, da Igreja Católica (lembremos o papel pacificador do recém-falecido bispo Samuel Ruiz).

Enfim, é difícil achar respostas definitivas para dilemas tão universais. Às vezes, só mesmo a arte consegue chegar a certas sínteses, e, nesse sentido, podemos tirar o chapéu para o hip-hop. Mas, o que lembro aqui é uma frase do filme Quando Explode a Vingança (1971), do diretor italiano Sergio Leone – o qual se inicia, justamente, com essa frase de Mao. Um assaltante de estrada se junta a um misterioso irlandês perdido no deserto durante a Revolução Mexicana. Juntos, eles se envolvem nos episódios protagonizados por Villa e Zapata, mas, ao final, o ladrão, que, no filme, personifica a visão popular sobre a política, solta essa frase: “Aqueles que sabem ler sentam-se em mesas, mandam os analfabetos e pobres para a luta; ao fim, só resta a morte aos pobres”. Que dizer?

Finalmente, vale observar que não foram poucos os comentaristas que mostraram entender o hip-hop – e particularmente o rap – como uma forma de arte que pode inspirar a revolução. Aí, penso eu, está outra encruzilhada para qualquer um que se aproxime do movimento. Anônimo 2 citava Simonal: “Com uma canção também se luta, irmão. Sabedoria soul!

Como no conto em quadrinhos Sonho de Mil Gatos, de Neil Gaiman, toda mudança começa com um sonho, que progressivamente se torna coletivo. Mas, como também lembram os zapatistas, um ponto importante se apresenta aqui: Fogo e Palavra caminham juntos. Fogo sem Palavra não se sustenta. Palavra sem Fogo nada levanta. Pelo menos, é o meu ponto de vista.

E, finalmente, qual seria o hip-hop que inspira uma revolução? Diria eu, citando os compas pela terceira vez: é aquele que carrega a “digna raiva”. De modo que, pondo toda a discussão à parte, e gostando-se ou não da música do Levante, o valor que eu vejo no trabalho dessa turma do Gas-PA é justamente que, nestes tempos de oba-oba, eles mantêm acesa a chama da indignação.

Porque, sem indignação, não há revolução. E, aí, sim, chegamos à verdadeira rima.

Todos os creditos vão para o site
http://centralhiphop.uol.com.br/site/?url=materias_detalhes.php&id=1224

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